segunda-feira, 18 de maio de 2015

ESTUDO SOBRE AS PRÁTICAS DISCURSIVAS DOS DETENTOS DO PRESÍDIO FRANCISCO DE OLIVEIRA CONDE 



Este estudo pretende trabalhar a linguagem como prática social no cotidiano da Penitenciária Dr. Francisco D’ Oliveira Conde, Presídio Estadual de Rio Branco, integrada ao IAPEN (Instituto da Administração Penitenciária do Acre), destinada para homens em cumprimento de pena privativa de liberdade, em regime provisório, semi-fechado e fechado.
 Neste trabalho optamos por delimitar a pesquisa no “Estudo Discursivo dos detentos (1982-2010)”, ou seja, estudar os repertórios lingüísticos tecidos no cotidiano prisional, buscando identificar como se configuram essas distintas formas de resistência aos mecanismos de controle do sistema penitenciário, buscando relacioná-lo sobre o viés da história cultural, do cotidiano, do imaginário e social.
 Percebemos que essa linguagem nova surgida nos presídios são manifestações de resistências ao modelo disciplinador prisional, estando totalmente influenciada pelo desprovimento cultural, social e econômico de grande parte dessa massa carcerária. Esse neologismo artificial lingüístico são formas de sociabilidade desenvolvida entre os apenados no cotidiano prisional, que vem sendo criado e recriados ao longo da fundação do presídio Dr. Francisco de Oliveira Conde sofrendo inovações até os dias atuais. Podemos dizer que é a cultura da periferia em ação dentro do presídio, aperfeiçoando-se contra a ordem vigente. As diversas formas de comunicação entre os apenados é um fenômeno que desestabiliza os mecanismos formais de controle social interno.
Essa pesquisa parte também de uma experiência de trabalho de cinco anos realizados dentro da unidade prisional enquanto funcionário na função de agente penitenciário. Nesta época já era acadêmico do curso de história, portanto grande também já eram minhas inquietações vivenciando no dia-a-dia a problemática prisional.
Um pouco antes de enveredar nesta empreitada que até então desconhecia por completo, tivemos que passar por um curso preparatório em Brasília, de modo que pela primeira vez tive o contato lá no presídio da Papuda em Brasília. Mas o fato é que naquele ambiente, mesmo tido por muitos como um presídio modelo, existia uma massa carcerária, com seu modo de viver construído na dureza cotidiana do cárcere.
Lembro que na ida para o curso enquanto estudante de História e sabendo que trabalharia em uma penitenciária, logo tive o primeiro contato, mas por curiosidade, com a obra Vigiar e Punir de Michael Foulcaut, sem saber que tal constitui um clássico para todos que queiram embasa-se teoricamente ou tratar de alguma forma a questão penitenciária, bem como a história da violência nas prisões. E toda prisão trás em seu bojo o germe da violência.
             A maior descoberta que tive logo de início no contato com aqueles apenados, pode se resumir em algumas passagens do prefácio de um livro da Juíza Odete Maria de Oliveira denominado Prisão: um paradoxo social.

 “É da própria natureza humana levar demasiadamente a sério a separação entre o bem e o mal e a sua incomunicabilidade [...] Quando se trata de apenados, parece que isto resulta à flor da pele: ele é o mal, o erro, passa-se a olhá-lo como configuração mesma do pecado- é contagioso como a própria peste [Mas]”recluso não é mal [são] preso-homem, um preso-gente, um preso portador de humanidade (Prefácio)
 Assim, não demorou muito para perceber que o ser humano estará sempre lutando para liberta-se, de opressões estabelecidas ou resistindo, ou ate mesmo criando relações de solidariedade entre si e a linguagem constitui, entre outras, representações culturais e sociais do vivido. Portanto, esse estudo das práticas discursivas no presídio tem sua razão de ser por afirmar e dar as vozes aos excluídos da história.
O interesse pelo objeto de desta pesquisa tem sua razão em virtude deste futuro historiador ter tido experiência de trabalho neste presídio. Em meados do ano 2000, pouco antes de ingressar neste trabalho, tive o primeiro contato com essa realidade, ou prática social cotidiana em um curso preparatório em Brasília.
Com feito, tenho percebido que o ambiente prisional é um ambiente marcado por políticas internas (dos guardas penitenciários, dos presos, da administração e outros segmentos envolvidos), bem como diversas formas de representações sociais e culturais, sobretudo às dos apenados. Essas representações de poder, coletivas e individuais se dão conforme enfatiza Chartier ( 1990, p.25), ao afirmar que:
As práticas são mais especificamente costumes e modos de convivência, os modos de vida, as atitudes, gerando padrões de vida cotidiana; em síntese, os modos de fazer e viver. Já as representações seriam modos de ver; as visões de mundo criadas pelas práticas e criadora das práticas. Assim as representações criam práticas e as práticas criam representações. As representações sociais sobre determinado objeto, ou sujeito, criam práticas sobre o objeto, ou sujeito; de tal modo, as representações passam a ser a própria realidade.
Posteriormente em consulta bibliográfica descobri que a pesquisa que pretendo desenvolver se apresenta como um verdadeiro desafio, pois se faz necessário que seja feita uma abordagem utilizando o método da História Oral, e como nosso ambiente tem suas complicações, tais como o fato de ser uma área de segurança, dificuldade de obter confiança e informações dos apenados, serão grandes obstáculos nesse sentido.
Mesmo assim, encontro determinação para desenvolvê-la, pois essa temática visa dá voz aos marginais, sobretudo por sabermos que cada um tem a sua história, enfim são os esquecidos da história. Claro que também tem sua história, que se encontra perdida, os primeiros policiais militares, antes dos guardas penitenciários e mesmo estes últimos estão fazendo sua história naquele conflituoso cotidiano.
Michael Foucault coloca que os dispositivos de poder vão compor as formas de controle social, atuando nos espaços visíveis e não visíveis por meio de mecanismo coercitivos que controlam os loucos, os marginais ou até supostos marginais, enfim definem e controlam socialmente os sujeitos que compõem o negativo da ordem:
Os dispositivos disciplinares produziram uma "penalidade da norma" que e irredutível em seus princípios e seu funcionamento a penalidade tradicional da lei. O pequeno tribunal que parece ter sede permanente nos edifícios da disciplina, e às vezes toma a forma teatral do grande aparelho judiciário, não deve iludir: ele não conduz, a não ser por algumas continuidades formais, os mecanismos da justiça criminal ate a trama da existência cotidiana; ou ao menos não e isso o essencial; as disciplinas inventaram  apoiando-se alias sobre uma serie de processos muito antigos um novo funcionamento punitivo, e este que pouco a pouco investiu o grande aparelho exterior que parecia reproduzir modesta ou ironicamente. (FOLCAULT, 2004, p.153)
Pela breve pesquisa de monografias e experiências próprias podemos descrever aspectos da realidade prisional da penitenciária Dr. Francisco de Oliveira Conde. Existe atualmente alguns projetos em andamento que dizem ressocializar ou recuperar o apenado tais como o projeto Pintando a Liberdade ou fábrica de bola, além da Escola a qual alfabetiza pouquíssimo detentos, a cozinha e uma horta. Estes são os trabalhos ditos ressocializantes.
No entanto, estamos longe da ressocialização, pois segundo Foucault esse discurso de ressocialização é apenas uma forma ideológica usada para dar continuidade a sociedade disciplinar. Essas palavras: “regenerado” ou “recuperado” conforme cita Marcus Vitorino em sua monografia de conclusão de curso de História, tais discursos não passam de discursos políticos. Michael Foucault descreve que a partir da prática judiciária lettre-de-cachet, na França, todos que cometem erros e transgressões seriam sujeitos a este regime disciplinar. Conforme o trecho abaixo:
A let-tre-de-cachet não era uma lei ou um decreto, mas uma ordem do rei que concernia a uma pessoa, individualmente, obrigando.a a fazer alguma coisa. Podia-se até mesmo obrigar alguém a se casar pela lettre-de-cachet. Na maioria das Vezes, porém, ela era um instrumento de punição. quis anular a íettre-de-cachete libertar os operários grevistas. Foi a própria corporação dos relojoeiros que então solicitou ao rei que não libertasse os operários e fosse mantida a lettre-de-cachet. Vemos, portanto, como os controles sociais, relativos aqui não mais à moralidade ou à religião mas a problemas de trabalho, se exercem por baixo e por intermédio  do sistema de lettre-de-cac/,et sobre a população operária que está surgindo. (FOUCAULT, 2001, p. 94-95)
Em linhas gerais uma breve descrição de como se encontra a URS-FOC (Unidade de Recuperação Social Francisco de Oliveira Conde) e a análise quanto aos projetos de recuperação. Os projetos de ressocialização desenvolvidos no presídio Francisco de Oliveira Conde são projetos que têm surtido pouco efeito, pois poucos e existe uma série de dificuldades para implantação de outros projetos, inclusive promovendo trabalho externo. Mesmo assim, são maneiras de dá oportunidade para alguns presidiários com bons comportamentos dentro do presídio que ainda não se alfabetizaram ou trabalharam internamente, tirando alguns poucos da ociosidade e da dureza do cárcere, levando-os ao cumprimento de sua pena com remissão de dias de sua pena.
Então, como já dissemos, esta palavra deveria ser quase sem sentido e o Sistema Penitenciário Brasileiro está falido. Isto nos leva a defender a visão foulcoltiana devendo considerar as penas mais como um castigo do que uma oportunidade de recuperação. Nesse sentido,
[...] a punição deve ser não mais um ritual que manifesta um poder, mas um sinal que cria obstáculos à repetição do crime, um conjunto de representações, uma “semio-técnica das punições” ou um poder “ideológico”. A utopia desse estilo penal será a cidade punitiva com seus “mil pequenos teatros de castigo”, em que a encenação das penas adequadas para cada criminoso visaria evitar, pela ação dessas próprias representações, a proliferação de crimes e delitos (FOUCAULT,1987, p.83,93 e 101).
A questão prisional envolve uma série de problema, no entanto, sabemos que não podemos formar campos de concentrações desumanos, se bem que os presídios no país estejam lotados e em tristes condições. Outro problema refere-se à ligação de empresas fornecedoras de todos os serviços e produtos, geralmente enriquecendo e com elos políticos no governo local, de forma que favorece a política de aumento do índice carcerário de qualquer modo e misturados, pois nesse sentido o que prevalece são os números e numerários.
Na sociedade disciplinar comprovam que o sistema capitalista tem sucesso em  controlar o corpo, o direito de ir e vir, enfim, de tornar dóceis as pessoas avessas aos padrões “morais” e comportamentais da sociedade. E Brasil só existe pena de morte em caso de guerra declarada, mesmo com todo esse não funcionamento do Sistema Penal, ainda pode ser melhor que o suplício de outrora. Mas na linha foucaultiana de pensar continua os rigores dos dispositivos da lei emanados politicamente da classe dirigente, pois em Vigiar e Punir analisando em breve artigo da Revista Aulas escrito por Saly da Silva, este fazendo uma análise de Vigiar e Punir nos diz: “as sociedades disciplinares são um tipo de poder que atravessa todos os aparelhos e instituições”. No mesmo artigo descreve seguindo a linha foucaultiana: “O postulado da subordinação encarnaria no aparelho do Estado e seria subordinado a um modo de produção, como uma estrutura” (p.07).
Portanto, este trabalho pretende estudar todo esse ambiente focalizando nos presos. Visa trabalhar as relações conflituosas existentes no presídio Francisco de Oliveira Conde, sendo estas analisadas por meio do Estudo das Práticas Discursivas, ressaltando as vozes dos presos.
Não querendo fazer afirmativas conclusivas, mas para quem viveu a realidade do cotidiano prisional, podemos supor que tal ambiente é um lugar conflituoso em sua essência. Lugar onde as imagens visíveis e não visíveis estão presente por meio de dispositivos de poder e do imaginário dessa instituição, sejam eles manifestações culturais, representações individuais e coletivas. O presídio Francisco de Oliveira Conde, inaugurado em 1982, em meio ao alarido que o colocava com sendo um presídio moderno e o grande solucionador da questão de segurança, e do mal da sociedade, muitas vezes eram bêbados, “ladrões de galinha”, ou presos de nenhum poder ofensivo, conforme assinala Vitorino ( 2009, p.61)
[...] Naquela época ainda vigorava no Código Penal o crime de vadiagem, por esta razão, “a partir de sexta-feira várias pessoas são recolhidas às delegacias em decorrência de embriaguês”171, ou por vagabundarem embriagadas. Alguns desses estabelecimentos eram bem conhecidos e situavam-se no “famoso Bairro do Papôco”, lugar onde havia“ casas noturnas, mulheres vendendo seus corpos, tiroteios, assaltos, diversos tipos de bebida alcoólica e muito quebra-quebra.
3. JUSTIFICATIVA
            Este estudo discursivo sobre a linguagem dos detentos do Presídio Francisco de Oliveira Conde poderá encontrar manifestações resistência a linguagem jurídica e ao Sistema que os punem e os vigiam muitas vezes com certa injustiça, sendo encarcerados em celas superlotadas, sofrendo espancamentos, maus-tratos, tendo suas penas vencidas e uma série de descumprimento da LEP (Lei de Execuções Penais). Podendo também demonstrar um universo invisível dos presos, bem como suas malícias e elementos transgressores que se não feito um estudo mais detalhado favorecerá uma total (des)conciliação da harmonia prisional formal.
Consta segundo dado da monografia de Marcus Vitorino, último trabalho defendido na área de História sobre o presídio em estudo, que existem aproximadamente 15 ou 16 monografia da UFAC e outras Faculdades nos Cursos (Ciências Sociais, Serviço Social, História e outros) diversos já abordaram o tema; mesmo que alguns de forma bastante superficial. No entanto, trabalhar num enfoque dos Códigos de Sustentação da Linguagem no Presídio Francisco de Oliveira Conde, pouco ou nada foi até o presente momento abordado.
Tal tema a princípio o seguinte título: “Dialeto da Resistência ou Linguagem Criminosa: “As diversas formas de comunicação e Neologismos Artificiais restrito entre os apenados do Presídio Francisco de Oliveira Conde”, mas pelo fato de já está desenvolvendo um estudo na área da Violência e os Controles Sociais, optei essa nova reformulação. Primeiro esse título era só uma idéia, mas aos poucos foi afunilando e tornado mais concreto, sobretudo ao tomarmos contato com a tese de doutorado da Socióloga Hilderline Câmara de Oliveira do Rio Grande do Norte e outras pesquisas. Desse momento em diante ficou claro que era possível, ou melhor, era de fato necessária essa pesquisa, por ser uma lacuna. Por fim, por meio da Orientação da Professora Maria José Bezerra, foi feito o recorte espacial, temporal e temático adequado, bem com obter as indicações metodológicas e opções teóricas certas para esse estudo.
A linguagem restrita aos apenados que são criadas e recriadas em todos os presídios e manifestando-se com algumas diferenças de região para região. Inegavelmente essa linguagem dos apenados resiste às normas que os punem e vigiam, enfim, é uma resistência a normatização oficial. Assim, a linguagem prisional caracteriza a Prática Social e construção de uma nova sociabilidade, onde todos devem se adequar. Claro que essa linguagem construída pode ser utilizada com malícia, fortalecendo os elos e vínculos de organizações aprisionadas. Quanto à linguagem como prática social, observamos o que diz Hilderline Oliveira:
[...] a linguagem enquanto prática social torna-se elemento central para a sociabilidade humana. Ela é intrínseca à ação do homem, cabendo assim, considerar e compreender a linguagem como interação, ou melhor, como um modo de ação, que é social, portanto, dotada de efeitos de sentido em função do espaço social e dos sujeitos que o compõem. (OLIVEIRA, 2010, p.120)
A linguagem no presídio faz referência a um grupo identitário, a idéia de pertencimento e relações de interação. Como sabemos toda sociabilidade humana é simbolicamente constituída e as representações simbólicas podem está manifestada de diversas formas numa constituição imaginada da realidade social. Nos presídios:
 espaço de encarceramento os símbolos, gestos, expressões corporais faciais, o brilho nos olhos percebido em algumas situações, tudo isso dentro de um contexto, pode ser entendido como forma de comunicação, tanto a percepção de uma linguagem não verbal, quanto à reação da mesma podem ser conscientes e/ou inconsciente. (OLIVEIRA, 2010, p.123)
Daí que a linguagem unifica, congrega os sentidos e os sujeitos. Assim, a importância de uma construção, representação e identidade no presídio. A idéia de identidade nasce da questão de pertencimento e do esforço contínuo de recriar a realidade de acordo com as idéias padrões e suas semelhanças. Nos presídios ocorre a história do cotidiano, sendo um espaço menor ou pequeno marcado pela micro-dominação. Isto não quer dizer que o cotidiano não seja produto da dominação estrutural, ou seja, resultado do capitalismo e ligar de promoção de alienação e imposição brutal rotineiramente.
Como toda penitenciária a Francisco de Oliveira conde é um “barril de pólvora”, pois constantemente eclodem motins e rebeliões, acompanhadas de mortes entre presos e muita agressividade física e psicológica. Um pouco antes do ingresso da primeira turma de agentes penitenciários começarem a trabalhar no presídio havia acontecido algumas rebeliões no presídio Francisco de Oliveira Conde. Em julho de 1999, publicado um breve artigo intitulado: Segurança Urgente! Que começava assim:
Por mais que se tente abafar é notório a insatisfação geral da população de nossa cidade com relação ao sistema de segurança pública. Segurança Urgente! E sem dúvida nenhuma este é clamor da sociedade acreana que se apavora com a crescente onda de violência e criminalidade em nossa capital nos últimos dias.
O Governo por sua vez, juntamente com a Secretaria de Segurança e Justiça do Acre, infelizmente está deixando muito a desejar na tomada de uma solução urgente para o problema que tanto afligem os acreanos. Sabemos que atual quadro da polícia civil e militar existe uma necessidade iminente de renovação, ou seja, é muito grande a defasagem e despreparo de agente de polícias, assim como de servidores. Estes em sua maioria estão poucos qualificados para exercer essas funções de modo satisfatório.
Nas delegacias e, principalmente no Presídio Estadual, as condições de estruturas não oferecem qualidade material e pessoal. Atualmente, os profissionais que estão prestando serviço naquela Unidade de Detenção, (Corpo de Bombeiro e Polícia Militar) são comprovadamente inadequados para prestarem um serviço com qualidade civil-técnica e segurança necessária que proporcione tranqüilidade às famílias de detentos que estão cumprindo pena neste Presídio. Além disso, estas pessoas deveriam estar a serviço de toda à população.
Com efeito, são comuns as fugas, as denuncias de truculências nesta Casa de Detenção, como no último caso, que culminou com a morte de detento que teve sua cabeça esfacelada por um tiro de fuzil, quando tentava fugir do presídio. (Jornal O Rio Branco – Julho/1999).
Este trecho deste artigo demonstrava o estado de desumanidade, pois neste presídio havia sido morto recentemente um preso que teve sua cabeça esfacelada com um tiro de fuzil, quando este tentava fugir do presídio, além de fazer denúncias relacionadas aos caos da segurança em geral naquele momento.
Num artigo denominado O Território do Cotidiano de Deudedith Junior é mencionado a relação de alteridade e entre a fronteira do outro e do mundo; entre as diferenças diversas  e limitações é que as existências, os pensamentos condicionados sócio-econômico e culturais nessa conjuntura ensejam a formação de construções identitárias.
Mesmo sendo comumente o cotidiano considerado algo absolutamente previsível, não podemos negar os processos de rupturas, por meio de uma tempestuosa série de eventos conflituosos. O cotidiano estabelece os códigos de sustentação do que pode e do que não pode, do que deve e do que não dentro deste determinado ambiente cultural, sendo dessa forma forjados os conflitos que culminam em violência prisional. Assim, mesmo após o ingresso dos agentes penitenciários muitos conflitos cotidianos e violências sempre existiram tal como existe até hoje.

Partindo do entendimento de que toda realidade é representada por meio através dos discursos, constituindo estes numa inesgotável fonte de múltiplos símbolos e valores construído cultural, econômico e socialmente, podemos então dá voz aos discursos dos detentos do Presídio Francisco de Oliveira Conde.
Para isso, estudaremos como se manifestam as teias e as redes de relações sociais e de poder na micro-história, sem atentamos diretamente para uma classe dominante, mas vários grupos dentro do ambiente prisional.
Ressaltando que haverá sempre ora relações de dependências, ora relações conflituosas. Mas o que propomos descobrir por meio dos estudos destes discursos é como são forjadas as identidades dos prisioneiros, pois bem sabemos que o ambiente prisional é degradante, desumano, generalizado quando colocam todos presos como não humanos. De modo que tal visão generalizante transmite erroneamente a penitenciária tão somente como espaço e escola do crime e sofrimento, enfim lugar dejetos humanos.
Portanto, nossa maior missão seria mostrar que cada preso tem sua história, sua trajetória que coincidentemente são a história dos excluídos e marginalizados. Possivelmente o neologismo lingüístico é fruto de uma grande camada de marginalizados ex-presídio que no sincretismo com a cultura prisional resiste ao rigor formal do cárcere.
No entanto, a punição já está na consciência coletiva. Ou seja, a punição contra atitudes individuais. Percebemos que o sistema capitalista tem sucesso no controle dos corpos e em retirar o direito de liberdade, bem como criar estereótipos que no dizer de Michele Perrot “...o pobre e, particularmente, o operário. Eles enchem as prisões a tal ponto que passam a concebidas para eles, em função do seu nível econômico e cultural”.
            A Linguagem prisional na forma dos discursos dos detentos podem muito bem constatar que a pobreza e a miséria solo propício, em meio à exclusão, ao preconceito e ao desajuste familiar, onde agregado forma um ambiente fértil para que surja a cultura da violência como sobrevivência, manifestada de várias maneiras em nossa sociedade. Eis o nosso problema.

Analisar as práticas discursivas cotidianas dos apenados do presídio Francisco de Oliveira Conde, dando ênfase a questões relativas à condição de exclusão social, as trajetórias destes antes e após a experiência de ser apenado e as representações que eles constroem de si mesmos, da unidade prisional e da sociedade extra presídio.

            O referencial teórico será objetivado sempre na construção e compreensão do objeto de estudo fundamentaram-se em autores que discutem sobre a prisão, como: Foucault em  Vigiar e punir, Ordem A verdade e as formas Jurídicas e a Ordem do Discurso e outras obras deste autor. Temos que ressaltar que a primeira obra Vigiar e Punir  será a de mais valia, pois poderemos ver os dispositivos de poder e a forma que vão se compor desde o século XVII, ou seja do suplício as prisões modernas, enfim os mecanismos coercitivos que controlam e punem os loucos, os ditos marginais e marginais propriamente ditos, bem como os sujeitos que se contrapõem a ordem vigente.
         Especificamente a Análise discursiva em meio as representações sociais, coletivas e simbólicas nos levará a ler principalmente de Eni Puccineli Orlandi, pois nesta autora  teríamos todo arcabouço teórico que permeia o processo social de produção da linguagem, seja esta institucional ou marginal e desviante. Além do mais, podemos estudar a obra de Bourdier as formas do silêncio no movimento dos sentidos e simbolismo o que nos faz enveredar na análise de discurso Francesa.
           História e cotidiano, de Agner Heller será obra de fundamental importância, pois esta autora analisa o cotidiano com um engendra mento das manipulações de sociabilidade. Esta autora trás a noção de que toda história é acontecida no cotidiano, no dia-dia em meio ao conflito ou pacificação, onde o cotidiano trás muitas vezes concepções pluralizantes ou relativas, enfim a vida cotidiana é a vida do homem inteiro, nas suas paixões, desilusões, padrões culturais e etc.
 Pretendemos trabalhar com Roger Charter, pois este autor trata bem os conceitos de representações coletivas, sociais e individuais. Percebemos também neste autor um trabalho com os “utensílios mentais” que nos dará explicações quando o imaginário representativo do objeto em foco.
 Memória e história, de Jacques Le Goff também será de grande importância, haja visto que o ambiente do qual devo desenvolver a pesquisa são instituições de memória guardadas material que são os documentos e monumentos ou qualquer outros artefato com marcas humanas. E memória é fazer recordar: tanto o documento com o monumento” é tudo aquilo que pode evocar o passado, perpetuar e recordação, por exemplo, os atos escritos.
     Os excluídos da história, de Michelle Perrot, na terceira parte de seu livro há uma tratamento sobre a questão dos prisioneiros, que segundo a autora são parte integrante dos excluídos da história, ou seja, a prisão é uma exclusão. Para isso, analisa o sistema Penitenciário no Século XIX, bem como a delinqüência, acabando por afirma por meio de seu minucioso estudo às fontes documentais de presídios antigos que a prisão é um lugar sombrio e lugar de despejo dos pobres e subproletaiados.
    Com relação aos procedimentos metodológicos serão entrevistas abertas, por meio da Abordagem da História Oral, bem como questionários aplicados, com detentos, familiares de detentos, ressaltando que as entrevistas serão feitas também com funcionários e a administração do presídio, além de pesquisas nos arquivos do presídio, setor de cadastro do presídio, da Vara Criminal, onde estão os autos dos processos envolvendo os detentos, no CDIH da UFAC, com leituras de jornais com A Gazeta e o Rio Branco, principalmente nos primeiros anos da década de 80, quando da fundação do Presídio. Além, de leitura de uma larga bibliografia correlacionada.
Não querendo apossar-se inteiramente do discurso midiático, que coloca as classes pobres e paupérrimas, como “classes perigosas”, colocando-as sempre como propagadoras de violências, pretendemos abordar o objeto da pesquisa na perspectiva da crítica ao Estado com base nas reflexões de Foucault e outros pensadores.
Também, no aspecto metodológico, o estudo se situa numa abordagem qualitativa, que tem como instrumento principal a entrevista e questionários. A investigação só será possível mediante a utilização de instrumentos de coleta de dados, tipo gravador digital. Temos que visar que teremos que ter uma vivência no ambiente, observando diretamente no cotidiano prisional e registrando no diário de campo como procedimento etnográfico do pesquisador, a análise documental dos prontuários dos internos e a aplicação de entrevista semi-estruturada, junto aos sujeitos da pesquisa.
Enfim, sabemos que poderemos enveredar por vários caminhos nessa instigante viagem que é a pesquisa, podemos inclusive mudar de rota; mas jamais teremos a pretensão de sermos portadores de uma verdade absoluta. Aqui, tem-se um roteiro flexível, um início de uma discussão a ser feita. Pois, críticas são muitas vezes construtivas; assim, ouso a questionar Instituições de forma responsável. Assim, como continuo a sonhar com um mundo melhor.

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